Algumas das principais operadoras de telefonia móvel do país iniciaram –ainda que de forma velada– umadisputa contra o WhatsApp em uma “tentativa desesperada” de nomear culpados aos seus próprios prejuízos. É o que dizem especialistas em telecomunicação e em direito digital entrevistados pelo UOL Tecnologia, que afirmam ainda que os ganhos proporcionados pelo aplicativo de bate-papo são bem maiores do que as possíveis perdas.
“As chamadas de voz deixaram de ser a principal funcionalidade da telefonia móvel não só no Brasil, mas no mundo. O tráfego de dados tem ganhado cada vez mais espaço, e as operadoras precisam se adaptar a essa nova realidade”, aponta Carlos Affonso, diretor do ITSrio (Instituto de Tecnologia e Sociedade) e professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Segundo ele, é natural que os usuários deixem de enviar SMS e de fazer ligações diante da gama de opções que são bem mais baratas e práticas. “E não estamos só falando de WhatsApp.”
No segundo trimestre de 2015, a operadora Telefônica Brasil –dona da marca Vivo– perdeu 56% do seu lucro líquido em comparação com o mesmo período do ano passado. O lucro da Claro Telecom Participações foi de R$ 3,3 milhões, sensível recuo ante resultado positivo de R$ 308 milhões obtido em 2014. A queda no lucro da TIM no Brasil foi de 16%. Já a OI chegou a registrar prejuízo de R$ 401 milhões no primeiro trimestre de 2015.
Mas, como relata o senador Walter Pinheiro (PT-BA) –que atua à frente de temas ligados à telecomunicação e tecnologia no Congresso Nacional–, as operadoras mais ganham do que perdem com aplicativos como o WhatsApp. “Mesmo que o usuário acesse a plataforma a partir do Wi-Fi, há sempre alguém que está pagando por essa conexão às empresas de telefonia. Ou seja, as empresas ganham muito com esses serviços e reclamam de boca cheia”, relata.
Para Adriano Mendes, advogado especialista em tecnologia e sócio do escritório Assis e Mendes, a reclamação das teles é uma “estratégia comercial” e uma maneira de conseguir “tirar dinheiro do Facebook” –dono do WhatsApp. “Está claro, que o problema é com o Facebook. Até porque contraditoriamente as operadoras atacam o WhastApp, mas de certa forma isentam o Skype, que é da Microsoft”, afirma.
Segundo ele, a polêmica é “misteriosamente” levantada em meio a negociação para a implementação do Internet.org –projeto da rede social que leva serviços da rede gratuitamente a populações carentes– no Brasil, serviço que é oferecido pelas teles.
Regulamentar ou não?
Uma possível regulamentação –defendida pelo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, mas rejeitada pelo presidente da Anatel, João Rezende–, segundo Mendes, representaria um retrocesso legislativo e tecnologia. “Voltaríamos ao tempo da reserva de mercado, em que não podíamos usar computador que não fosse fabricado no Brasil. Isso isolaria o país dos avanços tecnológicos, além de encarecer as inovações disponíveis.”
O senador diz desconhecer a existência de qualquer projeto de lei sobre a regulamentação de apps que esteja tramitando no Senado ou na Câmara. “Isso seria negar o Marco Civil”, aponta Pinheiro. “Não dá para entrarmos em um novo tempo –da computação em nuvem e da internet das coisas– e mantermos a regra de divisão de chamada dos anos 1980.”
“Esses aplicativos estão dentro da lei e não há nenhuma regulamentação que impeça o funcionamento deles no país”, relatou Mendes. “Ilegal seria se as operadoras quisessem impedir o funcionalmente do WhatsApp ou de qualquer outra aplicação. Algo que infringiria a neutralidade da rede prevista no Marco Civil.”
A reivindicação das operadoras, segundo a agência de notícias Reuters, se refere ao serviço de voz do WhatsApp, e não sobre o sistema de troca de mensagens do aplicativo. Segundo elas, a oferta do serviço se dá por meio do número de telefone móvel do usuário, outorgado pela Anatel e “pagos” pelas empresas de telefonia. As teles pagam cerca de R$ 26 para a ativação de cada linha móvel e R$ 13 anuais de taxa de funcionamento.
Mas, como explica Luiz Moncau, professor da Faculdade de Direito da FGV Rio (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), o WhatsApp usa o número de celular –“que pertence ao usuário e não à operadora”– apenas como um identificador. “Não quer dizer, no entanto, que o app esteja pirateando a infraestrutura da telefonia móvel para permitir as ligações. O recurso é viabilizado pela internet, assim como o Skype, que usa como identificador o e-mail.”
Affonso aponta a distinção de responsabilidade entre o WhatsApp e as operadoras para justificar a legalidade do serviço, bem como a “infundada necessidade de uma tratativa igualitária”. “As empresas de telefonia integram a camada de infraestrutura, já o WhatsApp está ligado à camada de aplicações. Ou seja, a responsabilidade de um é estrutural a do outro se restringe a conteúdo.”
Para o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, as empresas de telecomunicação precisam reconhecer as mudanças do mercado e adaptar os seus modelos de negócios à nova realidade. “Não adiante querer brigar, será mais do que necessário aprender a conviver com serviços como o WhatsApp –que não é o único e nem será o último a movimentar o setor.”
Já o senador Pinheiro diz ser necessário o maior investimento em banda larga, bem como na qualidade dos serviços prestados pelas operadoras. “Se o serviço é ruim e caro, é óbvio que os clientes vão buscar alternativas mais baratas.”
O UOL Tecnologia entrou em contato com a Vivo, a Claro, a OI e a TIM, mas todas elas informaram que não se manifestariam sobre o assunto. Mesma posição da SindiTelebrasil — entidade que representa as empresas de telecomunicações no país.