Nestes dias, em que todo mundo é convidado a meditar sobre os sofrimentos, que Jesus padeceu, para nos salvar, temos a graça de perceber, mais uma vez, os frutos daquela Paixão. Com certeza, como foi bem evidenciado em algumas obres cinematográficas, a maior tentação de Jesus na horta das oliveiras, foi a dúvida se aquela dor e aquela morte, tão cruel e injusta, servissem para algo. “Será que tudo isso tem sentido? E depois, o que vai ficar? Será que alguém vai lembrar de mim e, ainda mais, dos meus sofrimentos”; estas perguntas e estas angustias devem ter passado pela cabeça de Jesus; como também passam pela nossa cabeça, toda vez que viver o Evangelho nos custa caro.
Mas este ano todas estas reflexões, dramáticas e maravilhosas a um tempo, adquirem um significado ainda mais profundo e significativo. De fato, em seus planos misteriosos e estupendos, Deus nos faz reviver a Paixão de Jesus, através da Paixão de um discípulo, que em tudo quis seguir o Mestre, até a Cruz: Dom Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, capital do Estado de El Salvador no Caribe. Apesar de estar nas mesmas Américas, em que está o nosso Brasil, muitos nem conhecem este grande Bispo, que foi morto por um atirador do exército, enquanto estava levantando o cálice na hora da Consagração o dia 24 de Março de 1980.
Como diz o Salmo “Deus prende os injustos em suas próprias armadilhas” e, assim como aconteceu, durante sua vida, também na hora morte, o martírio de Romero encarnou muitos elementos do martírio de Jesus. Como Jesus, sacrificado durante a Páscoa hebraica, revelou que Ele era o verdadeiro e definitivo Cordeiro de Deus, que vence o pecado do mundo; do mesmo jeito Romero misturou seu sangue com o Sangue de Jesus, na hora do seu martírio. Mas, alem disso, o que nos espanta mais é a extraordinária semelhança de sentido, que os dois martírios têm.
De fato, como nos mostra maravilhosamente São João, o martírio sofrido por Jesus na Cruz devia ser um julgamento, total e definitivo, de Sua obra e Sua palavra: a Sua pregação era blasfema e Suas obras escandalosas; por isso devia ser sacrificado daquele jeito: para dar um recado a todo mundo que Ele não era e não podia ser o Filho de Deus. Do mesmo jeito, para muitos Bispos e muitos Padres de El Salvador e fora de El Salvador, Dom Oscar era um Bispo comunista, que incentivava os pobres à revolta; por isso, mesmo que não foram envolvidos diretamente no seu martírio, contudo, com suas veementes e falsas acusações, incentivaram os católicos da elite salvadorenha em tomar esta decisão.
Com certeza, a burguesia latifundiária de El Salavdor queria se livrar deste Bispo tão incomodo, que defendendo os pobres e as vítimas da repressão desumana, subvertia a ordem por eles estabelecida, fundada no famoso tripé interligado: religião, família e propriedade.
Outro dado não indiferente desta beatificação, que ocorrerá no dia 23 de Maio em San Salvador e encerra uma disputa que dura há mais de três décadas, é que ele não será simplesmente declarado Beato, e sim Mártir da Fé; ou seja ele não foi simplesmente exemplar em viver sua Fé em Jesus Cristo; ele deu a vida por causa de sua Fé em Jesus. Contudo a forma específica com que ele deu este testemunho foi trabalhando e lutando em prol da Justiça e denunciando as inúmeras injustiças com que o povo salvadorenho estava sendo explorado. Isso tudo significa, também, que lutar e dar a vida pela Justiça, a partir dos princípios evangélicos, não é uma mera obra de filantropia, e sim uma forma alta e valiosa de testemunhar a Fé em Jesus Cristo: “Bem aventurados vocês quando vos perseguirem, por causa da Justiça, porque vosso é o reino do Céu” Mt 5,10.
Enfim, não podemos não ver a ligação profunda que existe entre esta próxima beatificação e o tema Campanha da Fraternidade deste ano “Igreja e sociedade”; ou seja, partir do magistério de Papa Francisco, a Igreja quer definir de forma bem clara seu conceito de evangelização. De fato, como foi bem explicitado no Documento de Aparecida (2007) e na Exortação Apostólica “A alegria do Evangelho”, para a Igreja Católica, diferentemente de outras denominações religiosas, evangelizar não é fazer obra de proselitismo, tentar arrastar as pessoas de todo jeito, iludindo elas com falsas promessas e curas. Para a Igreja Católica evangelizar significa entrar no mundo e na sociedade para fermente-los, transforma-los à luz do Evangelho; e esta transformação pode acontecer, em primeiro lugar, pelo testemunho da própria vida. É por isso que deveríamos lembrar mais a famosa frase do saudoso Papa Paulo VI°: “A Política, exercida à luz da Doutrina Social da Igreja, é a forma mais alta de viver a Caridade”. No triste e desolador cenário da nossa política, local e nacional, penso que podemos, nesta Semana Santa pedir a Deus o dom de santos políticos cristãos.
*Padre Marcos é italiano, Vigário Paroquial do Alto Brasil, Coordenador Diocesano da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e colunista do Jornal Grajaú de Fato